Advento O ano litúrgico cristão organiza-se a partir de dois ciclos: o ciclo do natal e o ciclo da páscoa. Essas duas datas são as mais importantes pois representam os dois momentos de maior expressão na atuação de Deus em favor do ser humano: o nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo e a sua morte redentora juntamente com a sua ressurreição. Esses dois ciclos principais são cercados por outras datas cujo significado merece ser lembrado e celebrado. Igrejas mais tradicionais, que observam com mais cuidado o calendário litúrgico, celebram datas que nós, presbiterianos independentes, muitas vezes nos esquecemos e que deveriam ser muito celebradas. E, às vezes, comemoramos outras que não deveriam ser tão celebradas. Costumo dizer que em nossas igrejas comemoramos mais o dia das mães ou dos pais do que o Pentecostes, por exemplo. Talvez porque nos rendamos aos apelos comerciais desses dias, enquanto algumas datas do calendário litúrgico não movimentam as finanças. Mas o fato é que existem muitas datas importantes das quais não nos lembramos e nem sequer sabemos o significado. Uma delas é o Advento, que se inicia hoje e é o período que compreende os quatro domingos antes do Natal. Nesse período é que as casas e igrejas devem ser ornamentadas com os enfeites próprios da época. Um enfeite típico desse período – não utilizado nas igrejas brasileiras – é a guirlanda de natal, um círculo feito com folhas e quatro velas, sendo que cada uma das velas deve ser acessa em um domingo. O advento tem um duplo sentido. Por um lado ele inicia o ano litúrgico e representa o período de espera pelo nascimento do menino Jesus. É, portanto um tempo de espera pela vinda do Messias prometido desde muito tempo e cuja chegada está prestes a acontecer. O advento é tempo de espera pelo cumprimento das promessas da vinda do Messias. Por outro lado, o início de um ano também é o fim do que o antecede. O advento também encerra o ano litúrgico, remetendo-nos a outro tipo de espera. É tempo de nos lembrarmos que aqui vivemos em espera pela volta de Jesus, a assim chamada segunda-vinda. Por isso, é também tempo de espera pelo cumprimento da promessa do retorno do Senhor. O advento é, portanto, um tempo de grande espera e expectativa cristocêntrica. Esperamos pelo nascimento do Messias, mas reconhecemos que ainda vivemos na expectativa pela sua vinda definitiva. É um tempo entre a promessa feita e o seu cumprimento. E nesse tempo de expectativa pelo cumprimento das promessas, já vivemos em função daquilo que sabemos que virá. Mesmo que ainda não tenhamos concretamente a realização do que foi anunciado, nossa vida está em função do que virá e não em função do que já existe. É a certeza de que a promessa de Deus se cumprirá.
E O VERBO SE FEZ CARNE Uma das figuras mais tradicionais expostas nesta época do natal é o presépio. Não poderia ser diferente! A imagem do Deus-menino posto em uma manjedoura, cercado por Maria, José, anjos, pastores e animais é a que mais evoca o acontecimento que mudou a história da humanidade. E também a que mais emociona, afinal lá está um belo bebê representando nosso Senhor. E, à sua volta, um ambiente de discreta celebração e singela adoração. Gostamos dessa figura também porque ela apresenta Deus na beleza e simplicidade de um bebê. E, como todos sabem, um bebê não é senhor de sua própria vida. Ele depende dos adultos para tudo, uma criança sozinha não sobrevive. Por ser dependente, uma criança é sujeita à vontade dos adultos, ela é facilmente manipulada pelos que tratam dela. E esse é o grande problema. O Deus-bebê representado no presépio é também um Deus dependente dos adultos, cuidado pelos grandes e manipulado pelas pessoas. É um Deus que é só uma figura representativa, mas que não governa nem sua própria vida, quanto mais a vida das pessoas. O Jesus do presépio é uma criança que não representa – até por conta do cenário singelo, mas paradisíaco – o Senhor que governa, que dirige a vida e a história, que intervém no mundo concreto dos seres humanos, mundo com dores e contradições. Talvez por isso, dois dos quatro evangelhos (a metade!) não trazem a narrativa do nascimento de Jesus. Marcos, o mais antigo dos evangelhos, inicia sua narrativa com a pregação de João Batista. E João, ao invés de narrar como Jesus nasceu, traz uma longa reflexão sobre a encarnação do Senhor na forma humana. E essa reflexão termina com a afirmação: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.” (Jo 1,14) Jesus não é somente uma bela criança que veio a este mundo. Jesus é a palavra ativa de Deus que se encarnou em meio a história, em meio aos problemas, dores, sofrimentos e também alegrias e realizações humanas. Enfim, Jesus não veio em um cenário paradisíaco, como alguém que está distante da realidade humana, mas nasceu no mundo concreto, viveu como ser humano em todas as suas dimensões, foi verdadeiro homem em meio ao mundo real. Sofreu e se alegrou, teve fome, sede e dores, se revoltou, amou, condenou e perdoou. E, por vivenciar a experiência humana, por se fazer carne, se entregou por nós.
Os saudosistas que me desculpem, mas prá frente é que se anda Muitas vezes escutamos as pessoas pronunciarem a seguinte expressão: “naquele tempo é que era bom...” e logo vem uma comparação com hoje na qual o passado é apresentado como modelo, que o presente é tido como errado e o futuro é suspeito. Não raramente recebemos e-mails falando de como era bom o tempo em que quebrávamos os dentes nos tombos dos carrinhos de rolimã, em que a televisão era em preto-e-branco, em que balões juninos incendiavam casas ao caírem, em que muitas mulheres morriam ao dar à luz em condições precárias em suas próprias casas sob os cuidados de uma parteira, em que vivíamos uma ditadura militar, em que as valas de esgoto acompanhavam a maioria das ruas, em que as notícias demoravam dias para chegar de uma região a outra do próprio país, em que se vivia sob o temor que a guerra fria ficasse quente, etc. Ah! Como esse tempo era bom! Pelo menos o era na visão saudosista e romântica, que idealiza e não vê os problemas que existiam. Está certo! Também tenho saudades da minha infância. Lembro-me com saudades de pessoas, situações e muitas outras coisas do passado e que hoje perdemos por causas diversas. E sei que nunca mais as teremos. Mas não podemos desprezar as conquistas de nosso tempo e, conseqüentemente, a qualidade de vida que elas nos trazem. E nem adianta ficar com os olhos no passado porque este não volta mais. Como também não podemos esconder os problemas que temos hoje, como a violência, stress, individualismo, falta de solidariedade, etc. Quando voltamos os olhos para o passado, idealizando-o, esquecemos que “naquele tempo” também existiam problemas, muitos dos quais já foram superados. E que é a partir do presente que construímos o futuro. E, se o presente tem lá os seus defeitos, é porque assim o estabelecemos no passado. Portanto, se queremos – e podemos querer – um mundo melhor, devemos construí-lo a partir do hoje, buscando soluções para os nossos problemas e agregando as conquistas que obtivemos ao longo do tempo. Mas, principalmente, precisamos desfrutar o presente, como um presente que Deus nos deu. O hoje tem as suas virtudes e defeitos como em qualquer outra época, mas foi neste tempo que o Senhor nos colocou para desfrutar a vida, para louvá-lo e servi-lo e para construir o futuro. Ou, como disse o salmista: “Este é o dia que fez o Senhor, regozijemo-nos e alegremo-nos nele” (Sl 118,24).
Um livro escondido Em 2Re 22 a Bíblia conta que, ao reformar o templo, o sacerdote Hiquias encontrou o livro da Lei, esquecido em meio às quase ruínas em que se encontrava a Casa do Senhor. Lido o livro perante o rei Josias, procedeu-se uma grande reforma em todas as esferas da vida e por toda a nação. Pois se nos parece estranho que o livro da Lei (que deveria ser uma espécie de primeira redação do Deuteronômio, segundo os estudiosos) estivesse perdido justamente dentro do templo, podemos olhar para nós e perceber que hoje a palavra de Deus também parece perdida mesmo entre aqueles que seguem uma doutrina que tem a Bíblia como base. Sim, somos conhecidos por sermos uma denominação que valoriza a Bíblia, é costume entre nós que cada pessoa tenha a sua própria Bíblia, e a carregamos orgulhosamente todos os domingos para a igreja. Mesmo assim, ela parece perdida em meio à nossa religiosidade. O primeiro lugar em que ele está perdido é no nosso descaso. Para muitos crentes, a Bíblia é apenas um objeto que se deve carregar ao ir a igreja, uma espécie de complemento da indumentária. Ela não é estudada constantemente e seus ensinos parecem não ter importância para nós. Também a escondemos em nossa repetitividade. Muitas vezes estamos tão acostumados a ouvir sempre a mesma interpretação ou aplicação de alguns textos que não conseguimos perceber que eles têm outras lições possíveis. Nem mesmo lemos as perícopes atentamente, pois pensamos que já sabemos tudo que ali está. Pois se as lêssemos com cuidado, descobriríamos muitas coisas novas que o Senhor quer nos ensinar. Mas os escombros que mais escondem a palavra de Deus, e em parte responsável pelas duas situações mencionadas anteriormente são a nossa incapacidade de ver a vida através desses textos. Tanto nos disseram que eles se tratam de normas e mandamentos eternamente imutáveis, que não enxergamos a voz de Deus a ressoar na história das pessoas e a resposta destas ao falar do Senhor. Tanto enfatizaram a lei que perdemos de vista a vida, a esperança, o conforto e a sabedoria que a Bíblia pode nos transmitir. E, sem ver isso, não conseguimos entender o que ela tem a ver com a nossa vida. A Bíblia, assim, não se torna fonte de alegria e vida, mas uma espécie de camisa-de-força que nos prende a mandamentos que parecem não ter mais sentido em nosso tempo. Se tirarmos todo esse entulho descobriremos um grande e precioso tesouro para a nossa vida: a palavra de Deus presente entre nós, nos trazendo salvação, paz, conforto, sabedoria, orientação, vida enfim. Porque a Bíblia só tem sentido quando a descobrimos para as nossas vidas. Precisamos descobrir a palavra de Deus que está escondida dentro do templo, do templo do Espírito Santo.
Cristo e cristianismo O líder pacifista hindu Mahatma Gandhi disse certa vez: “Eu aceito o Cristo de vocês, mas não aceito o cristianismo de vocês”. Essa frase nos choca a princípio. Especialmente por ter sido proferida por um não-cristão. Nossa primeira reação é a de rejeitá-la e pensar que é fruto de uma visão distorcida da nossa fé. Porém, se soubermos ouvir as críticas, poderemos aprender grandes lições com elas. E essa frase contém elementos de grande sabedoria, que, por serem tão evidentes, nem sempre nos damos conta da sua profundidade. O primeiro desses elementos, e o mais evidente deles, é que Cristo e cristianismo são coisas distintas. Parece óbvio, mas nem sempre o é, ao menos na prática. Confundimos com facilidade o cristianismo com Cristo, a igreja com o Senhor. Muitas vezes achamos que ser fiel á igreja é o mesmo que ser fiel a Cristo, o que nem sempre é verdade. A Reforma do século XVI demonstra isso. É preciso entender a diferença entre o que é de Cristo e o que é do cristianismo. Mas a frase do famoso líder pacifista aponta para um outro problema. O quanto o nosso cristianismo pode estar distante daquilo que foi pregado pelo nosso Senhor. Como não lembrar das muitas vezes na história em que a igreja foi usada para legitimar interesses políticos ou econômicos e o fez em nome do Senhor Jesus? Mahatma Gandhi mesmo viveu em um contexto desses. Ou quando as disputas inter-eclesiásticas (inclusive sob o pretexto de evangelização) se sobrepuseram ao testemunho do reino de Deus. Ou ainda quando a igreja passa a se preocupar mais com sua vida institucional ou social do que com o crescimento do reino de Deus. Mas isso serve também para cada um de nós, como indivíduos. Muitas vezes confundimos os nossos costumes inclusive religiosos – como se fossem parte dos ensinos do próprio Senhor. Freqüentemente confundimos nossos ideais, costumes e opiniões como se fossem os valores do reino de Deus. Mas o pior de tudo é quando fazemos concessões. Tentamos fazer uma conciliação entre o reino de Deus e este mundo. E para isso, geralmente, abdicamos dos referenciais do reino e passamos a nos espelhar no que este mundo oferece. Queremos nos convencer de que para ser cristão podemos ser menos radicais e podemos cultivar em nós um pouquinho que seja de egoísmo, vaidade, violência ou falsidade. Aí o nosso cristianismo se torna totalmente diferente do que foi ensinado por nosso Senhor. Embora sejamos imperfeitos, precisamos buscar cada vez mais intimidade com o Senhor a fim de nos tornarmos cada vez mais parecidos com ele em sua forma de pensar e de agir. Que possamos dizer como o apóstolo Paulo: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim.” (Gl 2,20), e as pessoas que olharem para nós, possam ver a Cristo através de nós.
Eu quero uma Igreja cheia! Com o advento das transmissões de reuniões evangélicas pela TV, e das câmeras estrategicamente colocadas de modo a parecer sempre ter uma multidão, passou-se a valorizar ainda mais o número de freqüentadores de tais encontros, agora sendo contados em milhares. A despeito do movimento de Jesus nunca ter atraído multidões de fiéis, a preocupação com o número de presentes chegou a níveis absurdos. Sem desprezar a freqüência, me preocupo mais com uma igreja cheia de certas atitudes, pois será a partir dessas práticas que o Senhor acrescentará aqueles que hão de se salvar (At 2,47). Em primeiro lugar quero uma igreja cheia de amor verdadeiro e genuíno. Um amor que aproxime as pessoas, que leve as pessoas a estarem mais dispostas a perdoar um erro do que revidar, a amparar o caído do que o acusar. Um amor pelo qual cada um esteja disposto a carregar a dor e a alegria do irmão. Quero também uma igreja cheia de fidelidade, em que a principal preocupação não seja o que podemos receber de Deus, mas como podemos servir melhor ao Senhor; que não seja qual é a sua promessa para mim, mas qual é a sua vontade para minha vida e como poderei obedecer e cumpri-la. E, por que não uma igreja cheia de santificação? Que as pessoas queiram conhecer e prosseguir em conhecer ao Senhor (Os 6,3), desfrutar de intimidade com ele, assumam o serviço a Jesus e se deixem ser dirigidas pelo Espírito Santo em todos os seus caminhos. De pessoas que façam da oração e leitura bíblica um exercício diário, mais importante do que outras ocupações das quais não se eximem. Certamente desejo uma igreja cheia de testemunho. Em que as pessoas tenham, como conseqüência do seu relacionamento com Deus, uma vida de integridade, justiça e prática da misericórdia. Pessoas que sejam conhecidas e respeitadas por sua postura de amor e justiça, de uma só palavra, de equilíbrio e correção, em quem se possa confiar. Pessoas que sejam olhadas como exemplo a ser seguido. Sem dúvida, quero ma igreja cheia de compromisso. Compromisso com Deus, com o irmão, com o próximo. Uma igreja composta por pessoas que não sigam a Cristo por obrigação, mas porque o amam e fazem isso com alegria nos seus corações; que sirvam ao próximo porque o amor do Pai está neles e desejam fazer isso; que anunciem com suas palavras e com seus atos a salvação que a Santíssima Trindade nos concede porque sabe que esse é o maior presente que alguém pode receber e quer se fazer instrumento do amor de Deus pela humanidade. Não deixo de querer uma igreja cheia de pessoas, mas de pessoas que queiram viver o evangelho integralmente e que a congregação seja um momento privilegiado, separado para celebração em conjunto, pois toda a sua vida é um culto de adoração e serviço a Deus.
Há esperança para nossas crianças? Como já é tradicional ha muitos anos, nos deparamos novamente com a campanha de uma emissora de televisão que visa arrecadar fundos para o financiamento de projetos sociais que auxiliem crianças, adolescentes e jovens desamparados. Uma vez por ano somos coagidos a doar dinheiro (de modo quase tão apelativo como em igrejas neopentecostais) para os projetos que vão salvar a infância e juventude brasileira da situação de descaso e miséria em que se encontram. E assim a vênus platinada se apresenta como uma instituição socialmente comprometida, interessada em construir um futuro digno para nosso povo. Sem contar que ninguém presta contas a ninguém de quanto é arrecadado e nem de como esse montante é aplicado, há de se pensar se uma campanha como essa produz efeitos significativos ou serve apenas para melhorar a imagem da empresa e acalmar as consciências que se sentem culpadas por nada fazer diante da miséria. É certo que durante a programação nesses dias aparecem os testemunhos de quem foi ajudado com a verba arrecadada, afinal com tantas doações, alguém precisava ser, de fato, beneficiado. Mas o que adianta um dia de solidariedade diante de um ano inteiro de programas que influenciam negativamente a formação da mentalidade infanto-juvenil e, portanto, o futuro da população? Ou será que nos esquecemos que durante muitos anos a programação dirigida às crianças era comandada por uma pessoa narcisista, cujo único interesse era a sua exaltação quase que como se fosse uma deusa e que para a glorificação de sua própria imagem não se negava nem a provocar precocemente a sensualidade nos baixinhos? Ou ainda, que a principal programação dirigida a adolescentes - há anos ocupando o final das tardes - defende valores seriamente questionáveis, como a maternidade e paternidade irresponsáveis? E que toda a grade infanto-juvenil transmite uma cultura de violência e valores consumistas, como se a felicidade dependesse daquilo que somos capazes de comprar? A esperança das crianças e jovens do Brasil não pode ser construída a partir dos valores éticos, espirituais e morais que essa emissora transmite. A melhor perspectiva de futuro é construída com os valores do reino de Deus, valores que incluem a solidariedade desinteressada, e que vão muito além dela. É preciso que a Igreja do Senhor, que tem os verdadeiros motivos para esperança das crianças de qualquer idade, proclame e semeie a promessa de vida que o Senhor nos dá.
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